Depois dos brutais episódios de ódio e racismo em Charlottesville, as redes começaram a se saturar de mensagens questionando se nazismo seria ou não de direta. A resposta inicial e compreensível de muitos de nós diante deste horror cognitivo foi de estupor, de raiva, de impaciência infinita por ter de discutir conceitos que são “óbvios”.
Óbvios? É nesta percepção que radica nosso erro, um erro, aliás, nada trivial. Acreditem, o que para nós é indiscutível, evidente, para uma grande parte da população fora de nossas bolhas, não é. Essas nossas obviedades são por muitos desconhecidas, ignoradas, questionadas ou negadas.
Nossa luta se dá, principalmente, no campo dos conceitos, dos significados, das palavras.
“Genocídio dos jovens das periferias”, “feminicidio”, “cultura do estupro”, “esquerda”, “política”, “racismo”…. Nossa luta pelas palavras é diária. A linguagem está em eterna disputa. Se nos furtarmos a esta batalha pela linguagem em nome do óbvio, estamos derrotados.
Por tanto, sim, vamos recuperar a paciência intelectual que todos nós acreditamos ter perdido e vamos a explicar que o nazismo não é uma ideologia de esquerda. Vamos debater ideias, conceitos, até as que nos parecem óbvios, porque é dentro do campo da linguagem onde importantes guerras podem ser perdidas.
A linguagem é política. A linguagem pertence ao poder e dele temos que recuperá-la, dele temos que ressignifica-la.
A linguagem não é neutra, inocente, casta, virtuosa, limpinha. A linguagem está carregada de política. A linguagem tem as mãos sujas. As palavras não são “belas, recatadas e do lar”, embaixo delas se esconde toda uma interpretação do mundo. Se quisermos resistir por uma interpretação mais justa, mais igualitária, mas inclusiva, temos de começar a pleitear as palavras.
Não, o que parece óbvio não o é.
Lutemos pelas palavras.
Esther Solano é Doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade Federal de São Paulo.